sábado, 17 de setembro de 2016

AQUARIUS, UM FILME NA MIRA DO PODER

                                  Festival de Cannes, maio de 2016.

Aquarius, a resistência censurada

Por Jeferson Miola

Aquarius é exuberante em significados. É impossível não ser tocado pela mensagem transmitida com sensibilidade e inteligência pelo diretor Kleber Mendonça Filho.
É uma obra que será eternizada, ainda que pareça datada neste momento medonho e triste da política brasileira. O substrato principal da história é a resistência de Clara, a personagem interpretada magnificamente por Sonia Braga.
O filme é um bálsamo para este momento de dor e de luto com o assassinato da democracia. É uma manifestação política potente – entendendo-se política não na sua empobrecida dimensão "profissional", mas como dispositivo de auto-representação e expressão dos indivíduos no mundo, na cotidianidade.
Aquarius foi censurado pelo Ministério da Justiça do governo golpista. A classificação como impróprio para menores de 18 anos, depois revisada diante da enorme reação pública, foi uma clara censura a esta obra-prima do cinema brasileiro contemporâneo. O pretexto para a censura seriam as cenas de sexo explícito. 
Sabe-se que, na verdade, a censura foi uma punição à equipe do filme, que denunciou o golpe durante o festival de Cannes, em maio passado.
A censura é pornográfica, assim como pornográfico é o sistema retratado no filme, no qual a reprodução insaciável da ganância é o único sentido da vida.
No edifício Aquarius, Clara vive graciosamente, com simplicidade e alegria, com valores e princípios de vida, com a memória dos afetos, as lembranças dos prazeres eróticos e as músicas tocadas em discos de vinil que conformam uma atmosfera existencial muito particular.
Mas isso é um estorvo à especulação imobiliária. Clara resiste, e não cede ao poder irresistível da construtora influente, que compra e controla a mídia com anúncios milionários e domina o governo local com corrupção. Ela não cede à pulsão violenta do jovem boss que foi estudar business nos Estados Unidos para assumir o comando inescrupuloso dos negócios da família.
Ao lado deste conflito de interesses, Aquarius ambienta com uma boa dose de sensibilidade os conflitos e desafios familiares de uma mulher temperada na complexidade da vida. Sensual e bonita, ela mostra que a idade não é barreira para os prazeres e para os desejos. Do câncer mamário que a acometeu há cerca de 30 anos, a sequela que enfrenta com altivez não é aquela gravada no próprio corpo, mas a do macho que projeta a mulher como um objeto sexual que deve estar livre de defeitos.
Aquarius, enfim, é um filme emocionante e comovente. Sonia Braga atua com uma magia e humanidade abrumadora, que torna o expectador um cúmplice privilegiado da sua vivência. Com seu desempenho, ela como que traga as pessoas para enfrentar o duro mundo real.
A censura é como um radar que intercepta a luz da rebeldia e da resistência irradiada pela arte, para então apagá-la. Os censores são como cães adestrados que tentam castrar a criatividade que resiste à desumanização e ao embrutecimento.
Por isso Aquarius foi censurado. (Fonte: aqui).

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Vimos o filme e tivemos a melhor das impressões. Nada sabemos sobre a obra indicada pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil no OSCAR 2017, razão por que nos limitamos a dizer que o clássico estrelado por Sonia 'Clara' Braga e parceiros ostenta qualidades merecedoras de aplausos. Palmas, portanto, para o diretor Kleber Mendonça Filho e demais profissionais envolvidos na feitura do eloquente Aquarius.

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