sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O PROMISSOR E RISONHO MUNDO DE HARTUNG


"Acabo de assistir à entrevista do governador Paulo Hartung à jornalista Miriam Leitão, na Globo News. Algumas impressões, de momento, do que eu vi.
1. A entrevista teve dois momentos muito claros. No primeiro, obviamente, tratou-se da crise da segurança pública no Espírito Santo. No segundo, o entrevistado passou às questões nacionais, tanto em relação à área de segurança pública como, principalmente, à econômica – ajuste fiscal, gestão pública, modelo de Estado, relação com a sociedade, etc. Nas duas partes, foi uma entrevista “chapa branca”, até mesmo pelo alinhamento ideológico entre entrevistado e entrevistadora, que o ajudou na sua projeção recente junto à mídia brasileira como exemplo de enfrentamento da crise econômica. Em nenhum momento Paulo Hartung foi mais incisivamente questionado. A única exceção foi quando Miriam Leitão perguntou se ele não teria ido longe demais no ajuste.
2. Como num jogo, o governador dobrou a aposta. Repetiu a mesmas palavras e expressões – “chantagem”, “grotesco”, “resgate pela liberdade” – da coletiva à imprensa na quarta-feira de manhã. Isso mostra que o comitê formado por secretários do governo e que negocia o fim da paralisação dos policiais neste exato momento, na realidade, não está negociando nada. Afinal, negociação pressupõe ouvir, ponderar, impor-se, mas, também, ceder. Na medida em que o governador reafirmou que não há espaço para aumento (principal bandeira antes do aquartelamento da PM, na terça à noite), e, ainda, que puniria os responsáveis pelo movimento (no que ele chamou de “reestruturação” da PM), a anistia aos policiais se tornou um ponto inegociável. Ocorre que esse é, agora, o ponto principal das representantes dos policiais na negociação travada com os membros do comitê de crise.
3. Foi óbvia a tentativa de jogar a PM contra a sociedade, tanto do aspecto técnico (não há dinheiro para aumentos) como ético (responsabilizando-os pelas consequências da paralisação). Ao dizer que não deixaria as mortes ocorridas no período sem investigação, sugeriu, do meu ponto de vista, que manifestantes poderiam, de alguma forma, estar por detrás dessa sequência “estranha” de crimes. Fiquei com a impressão de que, no ar, estava a acusação de que militares teriam criado um certo “clima de terror”. Por outro lado, os panelaços ouvidos em alguns bairros são indício de que o governador também se desgastou nesse processo, embora, curiosamente, a estratégia do protesto – as panelas – revele o perfil mais conservador daqueles que em 2015/2016 gritaram “fora Dilma”. Nesse sentido, esse perfil é muito mais afeito ao endurecimento do que ao diálogo, em geral. Portanto, é possível que, se a postura do governador funcionar, ele saia ainda mais fortalecido junto à sociedade capixaba.
4. Por fim, a nacionalização da crise é evidente. A pergunta sobre o Rio de Janeiro permitiu que Paulo Hartung, sem o constrangimento que normalmente se esperaria diante de uma questão como essa, respondesse e falasse sobre o Rio de Janeiro como uma antítese do “sucesso” capixaba. Ao tergiversar sobre várias questões nacionais, claramente o governador buscou reproduzir, uma vez mais, sua imagem junto à opinião pública brasileira (principalmente aos mercados). Tem toda a razão quando disse que “crise é oportunidade”. Para ele, essa da segurança pública pode ser a chance de se fortalecer nacionalmente ainda mais. Lembrando que, nesse momento histórico, saídas como a que ele propõe são muito mais aceitas do que o eram até recentemente. Repressão e enquadramento dos movimentos reivindicatórios – feitos por servidores públicos ou não – podem ser liderados por Paulo Hartung com um verniz liberal que outros não têm."




(De Vitor de Angelo, via Facebook, post intitulado "Paulo Hartung fala do 'sucesso capixaba' com Miriam Leitão", AQUI.
Por enquanto, segue em nível caótico o ânimo brasileiro, devidamente escamoteado pela mídia amiga; com a entrada triunfal das reformas na pauta congressual - já 'aprovadas' desde a concepção, obviamente -, imagina-se que o caldo deverá entornar. Se é que sobrará algum caldo para os mortais comuns. Resta uma convicção: se o serviço da dívida pública e as demandas do livre mercado resultarem assegurados, nada mais virá ao caso).

Nota:

À noite, a notícia: governo estadual e policiais teriam chegado a acordo, com o governo Hartung, contrariando sua promessa à Globonews, 'flexibilizado' as exigências e ameaças. 

Antes, o Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos no Estado do Espírito Santo - Sindipúblicos criticou a entrevista do governador Paulo Hartung para a emissora Globonews. Para a entidade, Hartung usou sua doença para se vitimizar e mentiu ao afirmar que mantém diálogo com os servidores estaduais. O sindicato diz que não são apresentados números concretos das contas do Estado e que o governador não responde aos ofícios da entidade, se negando a divulgar dados sobre isenções fiscais. 

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