sábado, 7 de outubro de 2017

A TERCEIRA PARTE DE UMA CONTUNDENTE SÉRIE

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Dando continuidade à série "Quem ganhou com o golpe?", reproduzimos a terceira parte da análise elaborada por Miguel do Rosário, titular do blog O Cafezinho. Para ler as partes um e dois, clique aqui.
Ao contundente relato:


Quem ganhou com o golpe, parte 3:
Os prêmios a Sérgio Moro. O império mobiliza seu "soft power".

Por Miguel do Rosário

Sergio Moro é um juiz cujos casos estão sendo avaliados, revisados, corrigidos, por instâncias superiores. Várias de suas condenações, inclusive, foram anuladas por falta de provas. Ele está no centro de uma grande investigação cujos desdobramentos institucionais e jurídicos ainda estão longe de terminar.
Um prêmio a juiz nessa posição é, por isso mesmo, um escárnio, uma afronta, uma agressão insuportável ao sistema de justiça do Brasil, que não se esgota em Sergio Moro, não se esgota no TRF4 e não se esgota no STF. O sistema brasileiro de justiça pertence ao povo, porque é o povo que paga os salários de todos e é o povo que, através das eleições, molda o seu destino político.
O prêmio da universidade americana Notre Dame é, a meu ver, uma propina.
Volto a dizer o que havia dito em artigo anterior da série: juiz e procuradores não devem jamais receber prêmios, porque os prêmios dificultam a necessária crítica e revisão de seus atos por tribunais superiores.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não fosse uma entidade puramente corporativa, ou seja, usada apenas para que o judiciário tenha ainda mais poder de extorsão sobre os cofres públicos, deveria editar imediatamente uma portaria proibindo terminantemente que juízes recebem prêmios de qualquer tipo, mormente de entidades privadas interessadas na ação de determinado juiz.
É evidente, por exemplo, que esse prêmio da Notre Dame não é mais do que um ato político de uma instituição estrangeira, visando pressionar o judiciário brasileiro a seguir no caminho que interessa ao país e ao governo que financiam essa mesma instituição: destruir lideranças e partidos que podem significar um entrave ao domínio da nossa economia.
A Notre Dame é uma universidade profundamente comprometida com valores conservadores e imperialistas. Hoje mesmo, há uma matéria no New York Times, informando que a Notre Dame está dando prêmio a um acadêmico “anti-aborto” que rejeitou o mesmo prêmio em ocasião anterior, porque o então presidente Obama faria o discurso da cerimônia.
O reitor da Notre Dame, em seu discurso, elogia a “luta contra a corrupção” no Brasil, sem mencionar, uma única vez, as inúmeras violações das garantias e direitos cometidas pela Lava Jato, e sem falar na participação ativa, da Lava Jato, no processo político do impeachment, que levou corruptos ao poder.
Sergio Moro, por sua vez, faz um discurso melodramático, dizendo que o tempo dos “robber barons” (barões ladrões) acabou.
Como assim, acabou? Michel Temer não é nosso presidente? Gilmar Mendes não é presidente do Superior Tribunal Federal? Os Marinho não continuam mandando na mídia – e no país?
Nosso patrimônio, avaliado em trilhões de reais, não está sendo vendido na bacia das almas em processos coordenados por… Moreira Franco?
Como assim a corrupção acabou no Brasil?
O vídeo da premiação, feito para apresentar o Brasil e Sergio Moro, é simplesmente ridículo. Não traz uma menção, uma imagem, das terríveis dificuldades que a Lava Jato e o golpe trouxeram ao Brasil.
Me desculpem o tom paranoico, mas parece um vídeo editado pela Central Intelligence Agency, a CIA.
Até onde entendi, a iniciativa do prêmio a Sergio Moro partiu de Michael E. Pippenger, Vice President and Associate Provost for Internationalization, que aparece no vídeo.
As funções de Pippenger na Notre Dame são típicas de uma instituição imperialista: consultoria nas “estratégias globais” e monitorar a Notre Dame International.
As estratégias “globais” da Notre Dame International, assim como de todas as grandes universidades americanas, são monitoradas pelo programa “Open Doors”, do quase centenário “Institute of International Education (IIE)”, uma entidade financiada e controlada pelo Departamento de Estado do governo americano.
A IIE, por seu poder de conceder bolsas e vistos a estudantes estrangeiros de todo mundo, para virem estudar em universidades americanas, e também para americanos estudarem no exterior, por sua penetração em qualquer país, através dos programas de intercâmbio acadêmico, cedo se tornou um valioso instrumento para as estratégias de inteligência do governo americano. Não é coincidência que o atual presidente do IIE tenha servido como representante do presidente da república junto ao Diretor da Central Intelligence Agency (CIA), além de outros cargos graduados na área internacional da comunidade de inteligência do governo, durante a administração Carter.
Quer dizer, não apenas pelo governo americano… Adivinhem quem figura na lista dos “Trustees”, ou seja, dos “administradores” do IIE: lobistas de corporações norte-americanas, como o misterioso Victor J. Revenko, que trabalhou toda a vida para a Chevron, segunda maior petroleira dos Estados Unidos; velhas raposas da política internacional, como o ex-senador Ted Kaufman, cuja iniciativa foi essencial para a aprovação de fundos para a Rádio Farda, subsidiária iraniana da Radio Free Europe, a “rádio da CIA”; e… Henry Kissinger, o lendário conselheiro de segurança e política externa de vários governos, e que foi o articulador principal das atividades da CIA que levaram ao golpe de Estado no Chile.
A Notre Dame vem recebendo dinheiro do National Endowment for Democracy (NED), um fundo federal usado à larga pelo governo americano para subsidiar suas atividades imperialistas mundo à fora.  No site do NED, vemos diversos estudos acadêmicos patrocinados pelo fundo, inclusive abordando a questão da “corrupção” no Brasil…
Tanto o NED quanto o próprio Departamento de Estado (equivalente a nosso ministério de relações exteriores) tem diversos programas de financiamento a Notre Dame, sobretudo para sua recém criada “Keough School of Global Affairs”, uma faculdade pioneira, na qual os estudantes aprenderão a ser “lideranças globais”.
Não se pode negar que os Estados Unidos estão jogando pesado para chancelar a Lava Jato, uma operação que permitiu ao país ampliar, de maneira espetacular, o seu domínio sobre a economia brasileira.
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Sobre o prêmio que Sergio Moro recebeu da Time, seguem algumas considerações.
Por trás da Time, há o fundo Vanguard, o mesmo que exerce um controle crescente sobre a Exxonmobil, uma das principais beneficiadas pela destruição da indústria brasileira promovida pela Lava Jato.
No caso da Time, mais do que apontar conflitos de interesse, é oportuno também citar o texto que a própria Time fez para apresentar o juiz.  Assinado por Bryan Walsh, editor internacional da Time, o artigo diz que
(…) embora ela não tenha sido diretamente linkada a nenhuma corrupção, a presidenta Dilma Rousseff agora enfrenta um impeachment em parte por causa do trabalho de Moro.
Moro tem sido acusado de ignorar o devido processo, e ele tem procurado sempre expor seus casos no tribuna da opinião pública. Mas a maioria dos brasileiros sente que suas táticas excepcionais valem como contrapartida por um país mais limpo.
Ou seja, a Time admite que Moro é conhecido por violar a lei, mas lhe dá um prêmio de qualquer jeito.
texto de apresentação da Notre Dame sobre Moro nos lembra ainda que o juiz participou de um programa do governo americano, o International Visitor Leadership Program (IVLP), e que visitou “agências” e instituições americanas responsáveis pelo combate à lavagem de dinheiro.
O site do programa diz que “não há inscrição para o IVLP”, porque os “participantes são escolhidos diretamente pelo staff das embaixadas americanas ao redor do mundo".
É um programa grande, que já trouxe milhares de pessoas de todo o mundo para fazerem cursos nos Estados Unidos. Centenas de primeiros ministros, presidentes, foram agraciados. A lista é impressionante, e revela o enorme esforço norte-americano para consolidar uma posição política hegemônica no mundo. Um dos mais famosos nomes foi Margaret Thatcher, que ganhou bolsa de IVLP em 1967. Tony Blair e Gordon Brown, primeiros ministros no Reino Unido, também passaram pelo IVLP. Liderança de esquerda e direita passaram pelo IVLP.
Do Brasil, até mesmo Dilma Rousseff passou por lá, em 1992, numa mostra de que os EUA, após a redemocratização do Brasil, queriam recuperar seu prestígio tratando bem uma ex-guerrilheira que havia sido barbaramente torturada na ditadura.
Sergio Moro ganhou a bolsa em 2007. Desde então, os laços entre Moro e os EUA iriam se estreitar cada vez mais. Até se tornar o queridinho da América, ganhando prêmios da Notre Dame e da Time. Se Donald Trump não fosse tão indelicado, poderia oferecer uma recepção a Sergio Moro na Casa Branca, agradecendo-o pelos “serviços prestados”.
Voltando ao texto de apresentação da Notre Dame, vemos uma citação a um outro prêmio curioso dado a Sergio Moro, o de 13º maior líder do mundo (!)
Não poderia haver nada mais ridiculamente imperialista do que esses prêmios norte-americanos a pessoas mais “influentes” ou “principais lideranças”.  É evidente que os EUA usam esses prêmios para ampliar sua influência. Juízes brasileiros deveriam, repito, ser terminantemente proibidos de participarem de prêmios desse tipo, que são inteiramente políticos.
No prêmio da Fortune, o texto que apresenta Sergio Moro é Moisés Naím, um venezuelano que se tornou, há muito tempo, um dos mais ativos mercenários intelectuais do imperialismo americano. Naím é membro da direção da Open Society, a onipresente fundação do investidor George Soros, o “devorador de países”; fundador e presidente do “grupo dos 50”, um seletíssimo “clube” que reúne os principais executivos das Américas, e ao qual você só pode se juntar se for convidado; e membro distinto da Carnegie Endowment for International Peace, um dos principais thinks tanks do capitalismo mundial.
Um homem tão ocupado precisa ser bem direto ao falar de Sergio Moro:
Moro, um juiz federal telegênico de 42 anos, é o protagonista da edição brasileira, em vida real, dos “Intocáveis. Moro liderou a investigação de um enorme esquema de corrupção, que desviou US$ 3 bilhões da Petrobrás, a companhia nacional de petróleo, para os bolsos de políticos e autoridades. A presidenta Dilma Rousseff sofre risco de um impeachment, e a reputação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em frangalhos. E, mais importante: a passiva coexistência com uma corrupção endêmica na América Latina está se tornando um hábito do passado.
Os americanos, quando analisam a Lava Jato, não hesitam em associá-la ao impeachment. Para eles, Dilma foi derrubada pela operação. E estão certos. O ritmo da Lava Jato foi milimetricamente calculado para produzir o impeachment. A “homenagem” da Fortune foi dada, por isso mesmo, no momento certo, ao final de março de 2016, poucas semanas antes da votação do impeachment na Câmara dos Deputados. Se a Lava Jato agia para derrubar o governo Dilma, qualquer homenagem à Lava Jato a ajudava nessa missão.
A lista da Fortune é uma salada que só pode ser explicada se analisarmos quem é o “júri”, quem são os donos da revista, etc. Não é tão fácil. Esse é um “prêmio” de metodologia bastante obscura. Na edição de 2017, o 13º lugar (posição de Moro em 2016) ficou com um deputado do partido democrata de Maryland, John Delaney, que tenta superar a polarização partidária do congresso para aprovar projetos de infra-estrutura para seu país… Entre os doadores para as campanhas de Delaney, um dos mais importantes é a Hogan Lovells, uma firma de lobby que os leitores da série já conhecem. Ela apareceu na primeira parte da série, como uma das firmas onde Anthony Harrington, presidente do Institute Brazil, do Wilson Center, foi sócio-diretor. A Lovells presta serviços de lobby e consultoria jurídica para as grandes petroleiras norte-americanas, como Exxonmobil e Chevron.
Por falar em Hogan Lovells, ela aparece cada vez mais na Lava Jato, como firma que “audita” contratos entre diversas empresas, como Eletrobrás, no Brasil, e Pemex, do México, com a Odebrecht.
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